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Tributário

Dança das alíquotas de PIS e do COFINS abre possibilidade de discussão

By janeiro 5, 2023No Comments

Histórico

No apagar das luzes de 2022, o vice-presidente Hamilton Mourão, na condição de presidente em exercício, editou o Decreto nº 11.322, de 30/12/2022, que reduzia, pela metade, as alíquotas do Programa de Integração Social – PIS (de 0,65% para 0,33%) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS (de 4% para 2%), que incidem sobre receitas financeirasauferidas por empresas sujeitas ao regime não-cumulativo.

Referido Decreto, que  produziu efeitos na data de sua publicação, previa que as alíquotas reduzidas seriam aplicadas a partir do dia 1º de janeiro de 2023.

De acordo com o atual Ministro da Fazenda Fernando Haddad, o Decreto publicado no penúltimo dia do mandato pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão – junto com outas medidas adotadas pelo governo do Presidente Bolsonaro – poderia causar um prejuízo de até R§ 15 bilhões para os cofres públicos.

Assim, no 1º dia do ano, o Decreto nº 11.374/2023 (publicado no Diário Oficial de 02/01/2023) revogou o Decreto nº 11.322/2022, repristinando as redações vigentes antes do Decreto de dezembro. Ou seja, como se o Decreto que reduziu as alíquotas sequer tivesse produzido efeitos.

Repristinação

A repristinação é um instituto previsto no Direito Brasileiro que, uma norma jurídica promove a reentrada em vigor de uma outra norma jurídica revogada anteriormente por outra, por meio da revogação da norma que revogou.

De acordo com o parágrafo 3º do artigo 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), a repristinação só pode ocorrer se houver previsão expressa de restauração da lei anterior:

Art. 2° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. 
§ 2° A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. 
§ 3° Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Ao caso em questão, vemos que até 30/12/2022 vigia o Decreto nº 8.426/2016, que previa as alíquotas de PIS e COFINS para receitas financeiras, sendo revogado em 30/12/2022 pelo Decreto nº 11.322, que estabeleceu novas alíquotas a partir de 1º de janeiro de 2023. E em 1º/01/2023 (produzindo efeitos em 02/01/2023), o Decreto nº 11.322 foi revogado pelo Decreto nº 11.374, que expressamente repristinou o Decreto nº 8.426/2015, reativando sua eficácia.

Necessidade de observar a anterioridade

Ocorre que, apesar de prever a revogação e repristinar o texto anterior, nasce a discussão se o Decreto, por si só, teria eliminado a possibilidade de redução das alíquotas que incidem sobre as receitas financeiras auferidas nos primeiros 90 dias do ano.

Isso porque se as alíquotas reduzidas poderiam ser aplicadas a partir do dia 1º de janeiro de 2023 e o Decreto que as revogou produziu efeitos no dia 02 seguinte – ficando vigente as reduções por apenas um dia –, devem ser observados, no Direito Tributário, os princípios constitucionais da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal.

Pelo princípio da anterioridade anual, um tributo só pode ser instituído ou majorado no ano seguinte ao da publicação da lei que o instituiu ou majorou, o que foi observado

Já pelo princípio da anterioridade nonagesimal, deve-se aguardar um prazo mínimo de 90 dias para que o novo tributo seja exigido ou para que as novas alíquotas (majoradas) possam ser aplicadas, o que não foi observado pelo Decreto, que pretende produzir efeitos a partir de 2 de janeiro de 2023, data da sua publicação.

De modo que as alíquotas do PIS e da COFINS que foram reduzidas em 1º de janeiro (ainda que por apenas um dia) e reestabelecidas (aumentadas) logo em seguida, só poderiam ter efeito 90 dias após a publicação do Decreto que revogou as reduções.

Em outras ocasiões, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela aplicação do princípio da anterioridade nas hipóteses de restabelecimento de cobrança pela redução ou supressão de benefícios fiscais:

Aplica-se o princípio da anterioridade tributária, geral e nonagesimal, nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais, haja vista que tais situações configuram majoração indireta de tributos. 
(STF. Plenário. RE 564225 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 20/11/2019).

E ainda:

O ato normativo que revoga um benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo e, portanto, está sujeito ao princípio da anterioridade tributária: Não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais.
(STF. 1ª Turma. RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/10/2018).

Deste modo, adotando este princípio e a posição do STF, é possível, portanto, que os contribuintes ingressem com Mandado de Segurança para que seja garantida a observância ao princípio da anterioridade nonagesimal (ou noventena), previsto na Constituição Federal.

Para maiores detalhes, riscos e prognóstico, recomendamos entrar em contato com nosso time Tributário.

Alcance da redução das alíquotas

São financeiras as receitas derivadas de aplicações no mercado financeiro, os juros recebidos, os descontos obtidos, o lucro proveniente das operações de reporte, as variações monetárias dos direitos de crédito (em função da taxa de câmbio ou índices de atualização monetária previstas em lei ou em contrato).

Seriam beneficiadas pela redução as empresas com faturamento superior a R$ 78 milhões anuais, empresas que atuam no mercado financeiro, empresas que se dedicam à compra e venda, incorporação e construção de imóveis e a obras de construção civil, empresas cujos sócios ou acionistas sejam residentes ou domiciliados no exterior, filiais de empresas com sede no exterior, empresas incorporadas, fusionadas ou cindidas (apenas no ano em que ocorrerem as respectivas operações de incorporação, fusão ou cisão), dentre outras empresas sujeitas ao regime não-cumulativo.

Tamara Pereira Martins (tamaramartins@chohfi.adv.br)

André Delduca Cilino (andredelduca@chohfi.adv.br)