No final de 2021, a 1ª Turma do Conselho Superior de Recursos Fiscais, última instância do Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (CARF), ao julgar o processo 16561.720192/2012-09, decidiu que:
“O simples emprego de companhias holdings em estrutura de aquisição de investimentos, mesmo que com a finalidade específica de viabilizar e promover a compra de participações societárias, rotuladas de empresas-veículo, não basta para caracterizar simulação, fraude ou o seu intuito, tampouco qualquer outro ilícito”.
Isso significa que a prática de ato ou negócio jurídico visando exclusivamente a obtenção de vantagem tributária, por si só, não configura qualquer das hipóteses legais de simulação ou fraude (arts. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/64), pois carece dos elementos da má-fé e do artifício ardiloso, propositalmente enganoso.
No caso analisado pelo CARF envolvendo a compra da Tilibra S/A pela Rigesa, uma empresa do grupo econômico aumentou seu capital e, no mesmo dia, adquiriu ações de uma terceira empresa, fora do grupo econômico, valorizada com ágio sobre rentabilidade futuro, e se tornando controladora dessa empresa. Em seguida, a empresa incorporou a sua controladora, registrando o ágio da operação da compra em sua contabilidade, passando a amortizá-lo.
A Fiscalização entendeu que tal operação seria fraude, pois o grupo teria sido utilizado como empresa-veículo para fins únicos de reduzir a tributação, uma vez que ao final de uma série de operações societárias, a empresa inicialmente adquirida deduziu os valores correspondente à amortização de seu ágio como suas despesas. Assim, fora aplicada a multa agravada no percentual de 150% (art. 44, §1º, Lei 9.430/96).
Levado a julgamento, os Conselheiros da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, todavia, entenderam que “a dedução indevida de dispêndios com ágio não se confunde com prática dolosa ou ilícita que autoriza a aplicação da multa duplicada”.
Ou seja, embora tenham entendido os Conselheiros em manter a glosa na dedução de despesas com o ágio, tal prática realizada pelo grupo econômico em questão, de todo modo não configura fraude.
E um dos pontos mais importantes do julgado em questão é o reconhecimento da CSRF que a tão utilizada “ausência de propósito negocial”, expressão importada do direito anglo-saxão e que balizou grande parte das autuações pela RFB nos últimos anos, não é hipótese legal de “fraude” ou “simulação”, conforme trecho abaixo:
“A figura de origem estrangeira da ausência de propósito negocial, dentro da narrativa de que o contribuinte praticou determinado ato ou negócio jurídico visando exclusivamente obter vantagem tributária, não configura nenhuma das hipóteses legais de simulação e de fraude, conforme a devida conceituação de Direito Civil, e nem pode se amoldar às previsões dos arts. 71, 72 e 73da Lei nº 4.502/64.”
Ágio
Nesse ponto, vale registrar que, até a vigência da Lei 12.973/2014, não havia proibição legal para a amortização de ágio nas operações de reestruturação societária entre empresas relacionadas, o que, inclusive, foi objeto de uma ação milionária julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em favor do contribuinte. Na ocasião, o relator da ação judicial entendeu que “a pessoa jurídica, antes da vigência da Lei 12.973/14, que absorver patrimônio de outra em virtude de incorporação ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, baseado em rentabilidade futura, ainda que o aumento do capital social que deu origem ao ágio tenha sido integralizado com ações de sociedade do mesmo grupo econômico, juntamente com capital de terceiros, poderá amortizá-lo na forma prevista no artigo 7º, III, da Lei 9.532/97” (TRF4. 2ª Turma. Apel. 5058075-42.2017.4.04.7100. Rel. Des. Alexandre Rossato da Silva Ávila. Data da Decisão: 08/04/2021).
Nas regras atuais de dedutibilidade do ágio, todavia, tal operação não é mais devida. Isso porque a Lei 12.973/2014 limitou o aproveitamento do ágio apenas às hipóteses de aquisição de investimento entre empresas não relacionadas, proibindo, assim, expressamente o chamado “ágio interno”, além de excluir as operações implementadas sob a forma de substituição de ações ou quotas de participação societária.
O CARF vem estabelecendo os seguintes requisitos para a amortização do ágio:
- o efetivo pagamento do custo total de aquisição, inclusive o ágio;
- a realização das operações originais entre partes não ligadas;
- a demonstração da lisura na avaliação da empresa adquirida, bem como a expectativa de rentabilidade futura; isso é, elaboração de laudo para atestar o ágio por rentabilidade futura antes do registro do ágio; e
- a extinção do investimento em razão da absorção do patrimônio da investidora pela investida, ou vice-versa, ou seja, confusão patrimonial entre a real investidora e investida.