Com o breve artigo a seguir, trazemos nossa colaboração com a discussão acerca da suspensão dos processos tidos como principais (de conhecimento, de cumprimento de sentença e de execução), em contraponto com o Enunciado nº 110, aprovado pela II Jornada de Direito Processual Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal.
Dispõe expressamente o §3º do artigo 134 do Código de Processo Civil:
“Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.” (GN)
Não obstante, durante a II Jornada de Direito Processual Civil, realizada em Brasília dias 13 e 14 de setembro de 2018, com participação de Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Desembargadores dos Tribunais Regionais Federais e juristas, foi aprovado o Enunciado 110:
“A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados originários.”
Contudo, respeitado tal entendimento, acreditamos não se apresentar razoável tal interpretação.
Explica-se: quando instaurado o incidente de desconsideração de personalidade jurídica, só se encontra no polo passivo o devedor, ou os devedores, originário(s). A intenção do incidente de desconsideração de personalidade jurídica é, justamente, definir se os sócios ingressarão ou não na ação, na condição de novos codevedores.
Assim, a suspensão do processo originário determinada pelo dispositivo legal em tela só atinge a estes [devedores originários] e não àqueles contra quem se busca alcançar através do incidente para, então, passarem a integrar o polo passivo.
Em relação aos desconsiderados, enquanto ainda não integrem a lide, não produz efeitos, obviamente, a suspensão, por ainda não integrarem em definitivo o tripé processual (autor, juiz e réu). Sua participação nos autos é imperfeita e inexequível, razão, inclusive, de a medida processual correr incidentalmente.
Contudo, não se pode esquecer que, para a instauração da desconsideração de personalidade jurídica, medida drástica para redirecionamento das cobranças aos sócios, embora não seja o único pré-requisito, necessária a inadimplência do devedor originário.
Confira-se:
“A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
(REsp 279273/SP RECURSO ESPECIAL 2000/0097184-7 Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104) Relator(a) p/Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 04/12/2003 Data da Publicação/Fonte DJ 29/03/2004 p. 230 RDR vol. 29 p. 356).
Portanto, se existem meios de se prosseguir a execução contra o devedor originário, não há justa razão para que seja instaurado o incidente por ausência de pré-requisito.
Além deste aspecto, parte da doutrina se insurge conta o Enunciado em virtude de expressa contrariedade à letra da lei:
“Nos termos da cabeça do art. 134 da Norma Processual Civil emergente, o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Conforme o Enunciado n. 111, aprovado na II Jornada de Direito Processual Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2018, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicado também ao processo falimentar. A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas (§ 1.º do art. 134). Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, situação em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica (§ 2.º). A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese de pedido na exordial, com citação do sócio (§ 3.º). Apesar da clareza da última norma, na citada II Jornada de Direito Processual Civil aprovou-se o Enunciado n. 110, segundo o qual ‘a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados originários’. A ementa doutrinária, com o devido respeito, parece-me ser contra legem, razão pela qual votamos contra o seu teor na plenária do evento.
(TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019) (in “Impossibilidade de suspensão do feito contra a parte devedora originária em virtude do pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado no processo executivo” – Márcio Badra e Amanda Canera – Migalhas, 19/02/2021).
Assim sendo, ao aspecto literal da lei, que determina a suspensão do feito, não admitindo qualquer exceção, soma-se a questão prática, qual seja, não integrarem os desconstituídos os polo passivo da ação até decisão nesse sentido nos autos do incidente próprio.
Não faz sentido, portanto, imaginar-se que a suspensão se aplique apenas a quem sequer integra a lide.
Fortemente embasados nessas razões, ousamos discordar de tal entendimento.
#EquipeRMDC