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Tributário

O Consórcio de Empresas e a Receita Federal do Brasil

By julho 1, 2019fevereiro 11th, 2020No Comments

Publicado no jornal Valor Economico em 16 Jan 2009

Por Rodrigo Chohfi

Em março de 2008, a Receita Federal do Brasil, sob a justificativa de uniformizar os entendimentos exarados em soluções de consulta elaboradas pelas diversas regiões fiscais federais, editou a Instrução Normativa nº 834. Por meio dela, a Fazenda propõe aos consórcios de empresas dever de observância quanto ao Imposto Sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o PIS/PASEP, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Todavia, em que pese o esforço das autoridades fazendárias, tal propósito não foi validamente alcançado. Não bastasse a impropriedade do instrumento normativo utilizado, o que fere de morte princípio constitucional basilar: o da legalidade, a Instrução Normativa traz entendimentos preocupantes.

O Consórcio de Empresas é instrumento jurídico previsto nos artigos 278 e 279 da Lei das Sociedades Anônimas, comumente utilizado pelo setor da construção civil, que, no anseio de otimizar custos, estruturas e o implemento das melhores e mais avançadas tecnologias de construção, dele se vale com habitualidade. Dentro de seu espectro de atuação há questões que são indissociáveis à figura do instrumento consorcial. Os consórcios, embora não dotados de personalidade jurídica, como, por exemplo, os condomínios e os espólios, tem plena capacidade de contratar, de ser parte, de demandar e ser demandado, sem qualquer ressalva ou limitação.

E nesse ponto, a IN 834 ao reconhecer a capacidade do consórcio de contratar os bens e serviços utilizados na consecução das atividades consorciais e não a mão-de-obra, caí em flagrante equívoco, que não se limita à omissão. Não obstante a IN, até por conta da “competência” da Receita Federal, trate somente de alguns tributos federais, estabelece que nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), a Nota Fiscal ou Fatura poderá ser emitida pelo próprio consórcio; e não pelos consorciados, que é a regra geral por ela instituída. Não havendo, entretanto, previsão semelhante em relação às hipóteses autorizadas pelas legislações municipais que tratam do Imposto sobre Serviços – ISS.

A falta de reconhecimento da capacidade dos consórcios contratarem mão-de-obra e de emitirem não só a Nota Fiscal ou Fatura de Mercadorias mas também a de Serviços gera injustificada desigualdade entre fornecedores de bens e prestadores de serviço e despropositada insegurança jurídica àqueles que dele se utilizam. Com efeito, se analisarmos os artigos da Lei 6.404/76 que tratam do consórcio de empresas constata-se que as prestações de cada consorciada não se confundem e que estarão sempre destacadas as contribuições em recursos e as aptidões de cada uma das contratantes. Essas prestações são nítidas e identificadas durante toda a sua vigência. Dada essa divisão de tarefas, direitos e obrigações, é possível que parte das empresas integrantes de um consórcio dediquem-se somente a atividades sujeitas à incidência de ISSQN, não sendo, portanto, contribuinte do ICMS. Essas empresas, entretanto, de acordo com o que prescreve a IN 834/08, não poderão emitir Nota/Fatura de Serviço em nome do próprio consórcio, ainda que não haja vedação para tanto na legislação municipal.

É evidente que a referida IN 834/08 da SRF oferece tratamento díspar a empresas que se encontram em mesma situação (consorciadas), sem, contudo, apontar uma justificativa válida que levasse a criação de uma regra de exceção para os fornecedores de bens e não para os prestadores de serviço. Foi reconhecido um direito que, embora legítimo, deixou em situação privilegiada empresas fornecedoras de bens em detrimento das prestadoras de serviços; sem que houvesse um fundamento lógico/jurídico para tanto. E, portanto, é inconstitucional essa previsão.

A IN 834/08 traz ainda um outro ponto que merece destaque, pois não se coaduna com o regime jurídico aplicável aos consórcios. Ela reconhece a capacidade contratual do consórcio. Todavia, sem qualquer fundamento válido, o faz somente para determinados objetos, dentre os quais não se inclui a capacidade de contratar mão-de-obra. Ao não abordar questões referentes à retenção do Imposto de Renda relativo a remuneração paga a pessoas físicas e o recolhimento da contribuição previdenciária, a Receita Federal acaba por não reconhecer a possibilidade do consórcio atuar como empregador, em que pese ser sua função somente administrar esses tributos e não sobre eles legislar.

Em que pese a Receita Federal do Brasil padecer de competência para legislar sobre o assunto, espera-se que esse entendimento seja revisto ao menos para reconhecer expressamente a possibilidade de emissão de Nota Fiscal ou Fatura de Serviços pelo próprio consórcio e, ainda, o recolhimento da contribuição previdenciária e do imposto de renda retido na fonte por conta das remunerações pagas às pessoas físicas contratadas diretamente pelo consórcio, o que se faz em homenagem à segurança jurídica.

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